“Encenação” revolta bipolares - Caso Deborah Guerner

Filiados ao Clube dos Amigos da Saúde Mental, pacientes de Brasília que sofrem de transtorno afetivo bipolar manifestam, em documento oficial, sua indignação com a suposta farsa protagonizada pela promotora. Preocupação é com a possibilidade de vulgarização da doença.

A carta de protesto será entregue ao Ministério Público do DF, ao Conselho Federal de Medicina a à câmara legislativa do DF

Já faz tempo que o auditório do Hospital São Vicente de Paula sedia reuniões de pacientes com transtorno afetivo bipolar. Entre quatro paredes, eles trocam experiências, oferecem apoio uns aos outros, narram a dureza de conviver com uma doença estigmatizada. Nos últimos dias, no entanto, o grupo tem se reunido e falado, com revolta, de uma só pessoa: a promotora Deborah Guerner, que alega sofrer do distúrbio para se isentar das denúncias de corrupção e justificar a aposentadoria por invalidez. A indignação do Clube dos Amigos da Saúde Mental se traduziu em uma carta de repúdio ao comportamento da promotora em que pede uma atitude firme das autoridades competentes.

Para o presidente do clube, José Alves Ribeiro, a situação da promotora se agrava justamente pelo cargo que ela ocupa. “É triste ver uma pessoa que estudou tanto para ser conhecedora da lei burlar a legislação para fazer uma coisa tão ruim com pessoas inocentes. As pessoas daqui são inocentes. Nos dias que somos atendidos, agradecemos a Deus. Aí vem uma pessoa que tem condição de pagar para não ser doente e paga para ‘adoecer’, enquanto a gente, pobre, vive pedindo para não ser doente”, desabafa. “Jamais eu vou querer apresentar o meu problema para fazer besteira na rua para alguém me tachar de ‘pobrezinho’”, diz.

Apesar de ter protagonizado chiliques públicos e ter adotado um figurino extravagante — roupas exageradas, joias espalhafatosas, cabelos despenteados e um batom vermelho forte onipresente — desde que foi apontada como pivô de um esquema de corrupção e tráfico de influência, Guerner, de acordo com a constatação do Instituto Médico Legal (IML), tem controle total de suas emoções e expressa “reações de acordo com as conveniências”. A defesa alega que a acusada é bipolar e portanto não poderia ser imputada pelos crimes de concussão, formação de quadrilha, extorsão e vazamento de informações privilegiadas em troca de propina, anotados em ações que correm contra a promotora no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1º Região. “Tudo isso ajuda as pessoas a acharem que o bipolar não pode estar bem-vestido, não pode estar limpo e cuidado”, diz a técnica em enfermagem especializada em saúde mental Maria Girlene Soares Melo.


 Indignação

Os portadores do transtorno bipolar são muito claros sobre o que sentem diante de toda a espetacularização provocada pelo imbróglio Guerner. “Ela está acostumada a lidar com ladrões e se tornou uma ladra. Agora, ela está roubando a nossa condição, que é real, de bipolaridade para escapar da cadeia”, avalia Ana Dária Jubé, 52 anos. Desde 1998, quando foi diagnosticada, Ana Dária luta para que a família aceite sua condição. “Os meus irmãos sempre disseram que eu não tinha nada, apesar de eu já ter passado por 10 internações. Já estive no fundo do poço, mas, graças a Deus, consegui dar a volta por cima. E esse fato com a Deborah, ela ter sido pega fazendo essa encenação, isso deu força aos argumentos dos meus irmãos de que eu sou uma fingida”, lamenta.

O medo da assistente social Sélia Pinheiro, atuante do Hospital São Vicente de Paula há 16 anos, é que a forma como a doença tem sido exposta dificulte ainda mais o atendimento médico e a concessão de benefícios sociais aos pacientes. “Quando o paciente vai requerer benefício na Previdência Social, ele leva um relatório médico e, chegando lá, o perito do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) sempre questiona: ‘Você é doido mesmo? Você rasga dinheiro?’. É sempre essa visão de que o doente está manipulando seu quadro”, diz. Além disso, Sélia teme o reforço de uma prática antiga, e em desuso, de associar a doença mental à prática de crimes. “A nossa luta sempre foi para separar o paciente psiquiátrico do criminoso. E agora, essa pessoa que responde por promotora vem trazer esse pesadelo de volta.”

Tratamento

O transtorno bipolar não tem cura, mas é tratável. Se acompanhado e medicado adequadamente, os ciclos de oscilação de humor que causam tantos problemas aos acometidos são controlados e a pessoa pode levar uma vida normal. Aqui, os integrantes do Clube de Amigos da Saúde Mental fazem outro questionamento: por que, então, Deborah Guerner não se tratou? “Sei o quanto a minha família sofre com isso. Venho lutando há muitos anos para conseguir um tratamento. Foi muito difícil chegar até aqui. Por que uma pessoa que tem dinheiro não se tratou antes? Isso que está acontecendo está detonando a nossa doença”, analisa Lucélia de Sousa Silva, 29 anos. Atualmente, ela está em regime de semi-internação. Passa os dias no hospital e vai para casa à noite. “Você sai daqui com outra visão da doença, aprende a conviver. Estou lutando para ficar melhor e estou quase de alta.”

O psiquiatra Luís Altenfelder, que aparece em vídeo supostamente ensaiando como a promotora deveria se comportar durante a perícia a que seria submetida no IML, também não escapou da mira do grupo. “Ao agir de forma tão desonesta, não só cometeu extremo desrespeito à classe psiquiátrica (…) como também a todos, sobretudo a nós, ao expor toda a nossa categoria ao ridículo, imputando-nos papéis de verdadeiros palhaços perante a opinião pública”, crava o documento. A carta de repúdio do Clube será entregue ao Ministério Público do DF, órgão em que Deborah trabalhava; ao Conselho Regional de Medicina e à Câmara Legislativa.
 
Fontes: Reportagem do Correio brasiliense dia 09/05/11 e CORREIOWEB http://correiodesantamaria.com.br/?p=22709

2 comentários:

Anônimo disse...

Lamentável o que ocorreu... Que possamos continuar falando mais e mais do transtorno bipolar, para uma sociedade que infelizmente não o conhece. Parabéns amiga por trazer as manifestações dos nossos colegas bipolares. Abs cordiais, Will.

hans disse...

Mais lamentavel o psiquiatra Luís Altenfelder fazer nao saber nem o comprotamento de um bipolar. Sou bipolar e estou em tratamento e sinceramente nunca agi assim...risos fiz coisas piores mas palhaçada nunca