Sobrevivencialismo

 Desabafo postado por Luna:


     

    Sobrevivencialismo

“No fundo, não estava pronto. Se já soubesse melhor o que era o sobrevivencialismo, teria entendido que minha tentativa de retorno estava condenada a uma série de problemas. Quando tinha um dia ruim, minha tendência era dizer o seguinte: “Bom, é que já sofri demais. Passei por três cirurgias, três meses de quimio e um ano de inferno, e por isso não estava correndo bem. Meu corpo nunca mais vai ser o mesmo.” Na verdade, eu deveria dizer apenas, "Meu, foi só um dia ruim”.

- Lance Armstrong



A doença de Lance Armstrong era Cancêr, mas o sentimento que ele expressa, durante o período de remissão, é idêntico ao meu, do meu período de remissão...A diferença está no preconceito.

Quando Lance começou a ficar doente ele não quis ver que estava doente, lutou contra isso e quando finalmente enxergou que estava doente e recebeu o diagnóstico recebeu apoio total de todos seus amigos, namorada e companheiros de equipe....

Quando eu fiquei com depressão, eu não sabia, lutei contra mim. Meus colegas de trabalho me trataram como se eu, a vida inteira, tivesse sido fraca, preguiçosa e descomprometida...

A essa altura eu não sabia que estava doente. Ninguém tinha idéia do esforço enorme que eu fazia para chegar no trabalho... Era como se eu fosse um carro que precisasse pegar no tranco, precisava alguém para empurrar, só que não tinha ninguém, então eu tinha que me arrastar até uma ladeira e pegar no tranco...isso levava horas.

Quando Lance não sabia que estava doente também percebia que precisava fazer um esforço muito maior para conseguir resultados muito menores, inclusive nos treinos.

Não desistimos!!

Quando entrei em remissão, no entanto, tudo o que eu queria ter tido era Cancêr! Seria mais fácil encarar as pessoas se eu tivesse tido Cancêr em vez de Depressão.

Quando se trata de uma doença física, assim, concreta, em que se pode ver a deterioração da pessoa, quando essa entra em remissão, as outras estão com o coração mais aberto, mais tolerantes (afinal, o doente não tem culpa de ter ficado doente...).

Quando se trata de uma doença mental, assim, concreta, em que se pode ver a deterioração da pessoa (só não vê quem não quer), quando essa entra em remissão, as outras pessoas que já achavam mesmo que seu problema era preguiça, não estão dispostos a ser nem mesmo receptivos, querem mesmo é livrarem-se de você (afinal, se foi preguiçoso uma vez e nos trouxe tantos problemas, pode trazer de novo...).

A essa altura, todo mundo esquece, muitas vezes até o próprio doente mental, que a doença mental não é imaginária. É física também! Acontece num local físico, por falta de elementos químicos...

Eu gostaria de mudar o nome da doença de novo... da Bipolaridade, é claro...Já que tentaram mudar muitas vezes, a fim de evitar o preconceito... deixa eu propor o nome que acho que daria certo: Transtorno Cancerígeno Bipolar.

Não deixa de ser um Cancêr... Trata-se de um crescimento desordenado dos humores, pra cima ou pra baixo...

Sabe, acho que é Cancêr sim, do pior tipo, é invisível, pode matar de uma hora pra outra ou lentamente... o diagnóstico é, em alguns casos, muito mais difícil do que o diagnóstico do outro Cancêr, e a doença pode ficar latente no organismo da pessoa por anos, sem nunca se manifestar, até que aconteça um evento stressor que provoque o gatilho da doença... ou nunca aconteça esse gatilho.

Isso significa, que todo mundo pode ter essa doença latente dentro de si!!

A semelhança, entre uma doença e a outra são interessantes, pelo menos no período da Remissão... A do Cancêr, no caso do Lance Armstrong, era um ano. Durante um ano ele teria que fazer exames periódicos para saber se o Cancêr tinha voltado ou não... A diferença está aqui: a remissão do Transtorno Bipolar do Humor é eterna.

O tempo inteiro temos que estar atentos para que um sintoma ou outro não seja sinal de que a doença está voltando.

Em remissão, tenho um grande medo de voltar aos estados instáveis. Tal como Lance Armstrong tinha medo do Cancêr voltar. Ele inclusive acreditava que as atitudes dele poderiam favorecer a volta do Cancêr. Eu tenho certeza que as minhas atitudes podem fazer a doença voltar e me roubar o meu precioso estado de Remissão.
Lance Armstrong pode agora, ter uma vida normal.

Eu nem sei o que é ter vida normal...

Estou descobrindo isso agora, que estou estável. Mas nunca tive essa sensação antes. Para mim é tudo muito novo. É tudo diferente. Eu estou gostando. Mas tenho medo.

Parece que não estou preparada para isso.

Esse medo de perder o estado de remissão é uma constante em tudo o que faço ou que vou fazer ou que quero fazer. Não sei como vou fazer para superar isso.
Mas vou superar!!

Algumas coisas precisam ser acertadas, meu coração ainda tem mágoas e ressentimentos, ainda não estou emocionalmente curada, mas isso eu posso trabalhar e mudar ou pelo menos não me deixar atingir por esses sentimentos...

Existem outras coisas que precisam ser acertadas e não sei se posso fazer isso, não depende só de mim, o estigma. Mas, esse é outro Cancêr, farei o possível para sobreviver a ele também.

"Não existe um sistema de apoio que ajude as pessoas a lidar com as implicações emocionais de voltar ao mundo depois de ter vencido uma batalha, pela própria existência."

- Lance Armstrong

Não me falta Fé, nem Coragem!! É isso tudo que tenho. É isso tudo o que vou usar!
Nunca fui uma pessoa de deixar "pra depois", sempre fui de dizer: "se tem que resolver, então vamos resolver" - uma espécie de lema.

Então, depois de um dia triste ou duro de trabalho, vou dizer: "Meu, foi só um dia ruim" - aprendendo com a experiência do Lance Armstrong.
Quem sabe se daqui há alguns anos, eu não faça como o Lance Armstrong e vença, não uma vez, mas 7 vezes, só na vida profissional, fora as inúmeras vitórias pessoais. E também, como Lance Armstrong disse, eu também possa dizer que essa fase difícil foi responsável pelas minhas vitórias.

"Não sou de carne e aço, mas meu osso é duro de roer."




- Autora: Luna

4 comentários:

Preta disse...

Luna
Achei interessantíssimo o nome que vc daria a Bipolaridade, pois realmente é um cancer em nossa vida, mas com a diferença que o nosso (a Bipolaridade), não tem cura...
É muito dificil as pessoas entenderem que estamos doentes e que precisamos muito de ajuda...Se quebrarmos uma perna, todo mundo aparece disposto a ajudar, comovidos, prestativos, amorosos...
Agora tenha uma recaída na Bipolaridade, ve se aparece alguém?
Já comentando junto o seu post abaixo, acho isso tudo tão ridículo!!!
Nunca escondi ser Bipolar era praticamente assumida, mas perante os fatos que vem sendo exibidos, nos jornais, tv...tenho repensado no assunto, estão acabando com nossa imagem...fazendo com que paressamos pessoas perigosas, safadas e de moral duvidosa...
Isso é muito triste, pois ao invés de nos ajudarem a vencer o preconceito, nos defamam de uma forma ridícula com atos que na maioria das vezes não existe em nós Bipolares.
Infelismente estamos enfrentando uma faze muito difícil e que tende a piorar ainda mais...Por isso mais do que nunca precisamos ser fortes, para atravessar mais essa silada que a vida colocou em nosso caminho....
Bjinhos

Mente Hiperativa disse...

INfelizmente muitas vezes as doenças mentais não são levadas a sério pelas pessoas, e por isso passamos por preguiçosos, desleixados, descansados, rebeldes e tudo mais que não presta.

De fato quando alguém tem CA todos ficam com pena, entendem o estado da pessoa e o ajudam, compreendem. Mas quando você tem depressão é muito comum chegarem e dizerem que você precisa ter força pra sair dessa, e blablabla, como se dependesse somente de sua vontade. Um CA nao se cura so com a força de vontade, depressao tambem nao, ora essa. Claro que é preciso querer sair dessa, é preciso empenho, nao ha duvida, mas nao eh safadeza ou descanso, é uma doença como outra qualquer.

Gisleia Menezes disse...

Luna, tomei a liberdade de citar este texto no meu blog:
http://radicalmenteinconformada.blogspot.com/2011/06/sobrevivencialismo-desabafo-de-luna.html

Meus parabéns pela descrição clara e sábia acerca dessa realidade tão triste, que é nossa sobrevivência diária, até o fim...

Gisleia Menezes disse...

Corrigindo o endereço da postagem: http://borboletamachucada.blogspot.com.br/2011/06/sobrevivencialismo-desabafo-de-luna.html