Tratamento de Transtorno Bipolar de Humor (TBH)

Na imprensa não-especializada, tem sido publicados inúmeros artigos sobre o Transtorno Bipolar do Humor (TBH), cujo termo atualmente utilizado vem sendo o Espectro Bipolar, envolvendo quadros clínicos mais amplos, leves e atípicos (não apenas os clássicos). A freqüência estimada pode oscilar entre 5% a 7% da população, de acordo com o estudo epidemiológico e a conceituação utilizada (antes girava ao redor de 1,5%).

Terapia com foco na família traz bons resultados 

e, em certos tipos de transtorno, placebo chega 
a superar antidepressivos em relação à eficácia


Parece ser a “doença da moda”, com inúmeros ilustres do mundo todo afirmando que são bipolares. De forma equivocada, é até associada à criatividade, mas, na prática, traz enormes prejuízos e sofrimentos aos envolvidos, como pacientes e familiares.
O transtorno bipolar do humor, antiga psicose maníaco-depressiva, é caracterizado por períodos de depressão (tristeza, desânimo, lentificação psicomotora, diminuição da energia, perda de prazer ou interesse em atividades habituais, alterações do sono, apetite, pensamentos negativos, ideação suicida, etc..) alternados com períodos de mania (ansiedade, agitação psicomotora, discurso ou pensamento acelerado com fuga de idéias, sensação de onipotência, de maior energia, de menor necessidade tanto de sono quanto de alimento, além de idéias de grandeza, sentimento de irritabilidade e até impulsividade).
"Medicina ainda busca um melhor conhecimento sobre a patofisiologia

completa do TBH. Ou seja, quais são os mecanismos estruturais e 
funcionais (genéticos, biomoleculares, celulares, químicos) envolvidos 
no surgimento da doença" 

O diagnóstico, até o presente momento, é exclusivamente clínico, através de avaliação psiquiátrica. Porém, os estudos científicos novos têm apresentado dados relevantes e inéditos. Na prática, pouco ainda se conhece, com profundidade, sobre todos os aspectos da doença. Há muitas informações errôneas e inverídicas divulgadas pela imprensa.
Vou citar alguns dados interessantes. Quem quiser outras informações ou reproduzi-las em outros locais, favor me contactar. Vou tentar ajudar, dentro do meu escasso tempo.Perfil genético Quanto ao perfil genético, a psiquiatria sabe que há uma sobreposição de risco entre o TBH e a esquizofrenia. O gene envolvido do oitavo cromossomo é o 8p21 e o aminoácido é o DAOA. As pessoas portadoras de tal alteração genética possuem a forma mais grave de TBH, com maiores chances de recaída. As formas mais graves compartilham, portanto, fatores de risco também para a esquizofrenia. É bom deixar claro que há uma série de genes envolvida. Isso pode levar a tratamentos futuros que interfiram na neuroproteção e resiliência do paciente. Estudos sofisticados de neuroimagem, como o PET – SCAN que avaliam a atividade cerebral através do metabolismo de glicose no cérebro demonstram que pacientes com TBH possuem menor atividade na região dorso-lateral do Córtex Pré-Frontal, enquanto o oposto ocorre na estrutura da amídala cerebral. Hoje, acredita-se que o TBH é uma doença neurodegenerativa. Há perda de neurônios e áreas de afinamento do Córtex Cerebral. Tal informação é superimportante para identificarem terapias futuras que tenham efeito normalizador e regulador de tais alterações. O estímulo elétrico por eletrodos em áreas hipofuncionantes pode ser um tratamento eficaz no futuro. Outro desafio para a medicina é decifrar os prejuízos cognitivos envolvidos nos pacientes bipolares. Um estudo recente detectou em bipolares jovens 20% de redução na capacidade de continuação da pessoa em uma determinada tarefa. Os bipolares costumam ser mais rápidos, porém, mais impulsivos, provavelmente pela anormalidade específica do córtex pré-frontal (responsável por decisões que envolvem planejamento, organização e racionalidade). É a chamada disfunção executiva dos bipolares. Novos medicamentos pesquisados deverão agir na diminuição da perda celular e na recuperação do processo de neurodegeneração. Há vários neurotransmissores alterados, inclusive o BDNF, fator neurotrófico primordial e responsável pelo desenvolvimento e crescimento de novos neurônios. Os tratamentos atuais são limitados, ainda não há conhecimentos precisos de todos os mecanismos fisiopatológicos (causais) do TBH. Para se ter uma idéia da dimensão e importância disso, tais avanços devem demorar cerca de uma década para ocorrerem, um investimento da ordem de um bilhão de dólares será necessário no desenvolvimento dos novos medicamentos. Lítio ainda é o único medicamento que diminui risco de suicídio No momento, o único medicamento comprovado que diminui o risco de suicídio é o antigo lítio. Além do mais, o lítio controla a mania, mas não a depressão. Apenas 20% a 40% dos pacientes com TBH ficam bem por um período de seguimento clínico maior. A recuperação funcional, ou seja, aquela que realmente interessa, ocorre praticamente em apenas ¼ dos pacientes. A medicina está na época da polifarmácia. Antes, utilizavam-se cerca de 3 estabilizadores de humor, hoje, tal marca já atinge cerca de 5 estabilizadores de humor. Portanto, estudos melhores são necessários, as interações medicamentosas podem oferecer riscos sérios com o aumento de números de estabilizadores de humor associados. Estudo, placebo e polêmica Um estudo publicado agora no New England Journal of Medicine, com mais de 2000 pacientes bipolares, submetidos, seguramente, aos melhores tratamentos possíveis por cerca de dois anos demonstrou que 40% dos pacientes tiveram recidiva da doença em um ano, apesar de receberem o melhor tratamento. Cerca de 90% das recaídas são depressão e estado misto (sintomas depressivos e maníacos praticamente simultâneos). Tal estudo demonstra a importância da detecção precoce dos fatores de risco para recorrência e também do tratamento eficaz dos sintomas residuais. Um dado deixou os pesquisadores intrigados: os bipolares tipo II do estudo (que alternam entre depressão e hipomania-forma leve de mania) desenvolvem-se melhor quando não recebem antidepressivos. Quando tais pacientes utilizam estabilizadores de humor eficazes (lítio, carbamazepina, divalproato, oxcarbazepina, lamotrigina), o uso de antidepressivos pode até piorar o curso da doença. E grande parte dos bipolares (30% a 50%) passa a maior parte do tempo de suas vidas em depressão e não em mania ou hipomania. A taxa de remissão com placebo (pílula inócua, sem efeito) foi de 28% enquanto com antidepressivos foi de apenas 24%. Incrível isso, abala muitos dos tratamentos realizados até o presente momento, sem dúvida. Comparando-se, no artigo do New England Journal of Medicine, três tipos de psicoterapia (cognitivo-comportamental, interpessoal e familiar) concluiu-se que as três possuem papel relevante e positivo na prevenção de oscilações do humor - quando, é claro, estão associadas ao tratamento medicamentoso com estabilizador de humor. 
Terapia e famíia: bons resultados A Terapia com foco na família foi a que apresentou melhor resultado, confirmando o que sempre falo no Vya Estelar: a importância suprema, em qualquer transtorno mental, da participação efetiva, solidária e afetiva de todos os familiares no processo de recuperação e reabilitação psicossocial dos pacientes. Cabe ao médico também orientar sobre as maneiras corretas de realizar tal participação. Grupos de auto-ajuda, como a ABRATA (www.abrata.org.br ) também são superimportantes neste sentido. Finalizando, a medicina ainda busca um melhor conhecimento sobre a patofisiologia completa do TBH. Ou seja, quais são os mecanismos estruturais e funcionais (genéticos, biomoleculares, celulares, químicos) envolvidos no surgimento da tal doença. Com isso, sim, haverá novos avanços no tratamento do TBH, muito mais específicos e eficazes que os atuais. É nítido o benefício, no tratamento de longo prazo, da combinação medicamento e psicoterapia.

 Nunca podemos nos esquecer, portanto, que pacientes bipolares subtratados são vulneráveis a vários riscos, daí a necessidade de avanços científicos rápidos. Os bipolares apresentam mortalidade maior, risco de suicídio significativo, maiores taxas de neoplasia, doenças cárdio-vasculares (infartos) e cérebro-vasculares (“derrames”). As associações com alcoolismo e ansiedade também são importantes e deletérias ao curso da doença. A prevenção de recorrência dos episódios depressivos envolve a descoberta de novos medicamentos, além da importância da detecção precoce dos fatores de risco envolvidos (estresse crônico, não adesão ao tratamento por efeitos colaterais), bem como o incentivo aos excelentes trabalhos psicoeducativos e de psicoterapia.


Profº Drº Joel Rennó Jr. - Saúde Mental e Cyber Saúde Mental 

Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta. Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). 
Doutor em Medicina (Psiquiatria) pela Faculdade de Medicina da USP. 
Coordenador Geral do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher-Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. 
Médico do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein-SP (HIAE).

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Um comentário:

Tathiana disse...

Fantásticos os esclarecimentos. Obrigada.